A Fusão do Calvinismo com o Mundanismo

Quando eu era jovem e recém-salvo, parecia que o principal objetivo de todos os crentes zelosos, quer calvinistas ou arminianos, era a consagração de vida. Sermões, livros e conferências destacavam a consagração no espírito de Romanos 12.1-2, onde o apóstolo suplica aos fiéis.

Quando eu era jovem e recém-salvo, parecia que o principal objetivo de todos os crentes zelosos, quer calvinistas ou arminianos, era a consagração de vida. Sermões, livros e conferências destacavam a consagração no espírito de Romanos 12.1-2, onde o apóstolo suplica aos fiéis que apresentem seus corpos em sacrifício vivo a Deus, e a não serem conformados com este mundo. Corações eram desafiados e despertados. Cristo deveria ser o Senhor de sua vida, e o ego devia ser rendido no altar do serviço a Ele.

Mas agora, ao que parece, existe um novo Calvinismo, com novos calvinistas, que deixaram de lado os velhos objetivos. Um recente livro: Young, Restless, Reformed (Jovem, Inquieto, Reformado), por Collin Hansen narra a história de como um chamado “ressurgimento” do Calvinismo conquistou a imaginação de milhares de jovens nos E.U.A., e este livro tem sido analisado com grande entusiasmo por revistas cristãs bem-conhecidas.

O escritor desse artigo, no entanto, ficou profundamente entristecido ao ler tal livro; porque aquele, descreve um tipo de Calvinismo que está longe, muito longe, de uma autêntica vida de obediência a um Deus Soberano. Se este tipo de Calvinismo prosperar, a verdadeira piedade bíblica estará sob ataque como nunca antes.

O autor do livro é um jovem (que tinha mais ou menos 26 anos quando escreveu o livro), que cresceu em uma família cristã e formou-se em jornalismo secular. Somos gratos a ele pela pesquisa legível e de tão grande escopo que ele nos oferece a respeito deste novo fenômeno, mas o cenário descrito não é, certamente, um dos mais felizes.

O autor começa por descrever a Conferência Passion em Atlanta, que aconteceu em 2007, quando 21.000 jovens se reuniram para celebrar com música contemporânea, e ouvir a preletores como John Piper proclamando sentimentos calvinistas. E este cenário é repetido muitas vezes ao longo das páginas do livro. Grandes conferências são descritas onde o sincretismo com o mundo, o sensacionalismo, a agitação, os altos decibéis e a música rítmica são misturados à doutrina calvinista.

Somos informados sobre a música agitada, milhares de mãos levantadas, “hip-hop cristão” e letras de rap (os exemplos parecem inadequados e ineptos em sua construção), unindo as Doutrinas da Graça àquelas formas musicais imorais que são  mescladas com “drogas” na cultura mundana típica.

Collin Hansen conclui que o Calvinismo americano desmoronou no final do século XIX e foi mantido apenas por um pequeno número de pessoas, até que chegou este “grande reavivamento reformado da juventude” que ele descreve em seu livro. Mas, o cenário histórico que ele cria é, francamente, absurdo. Como alguém que visitou regularmente seminários americanos desde o início dos anos 70, eu sempre conheci muitos pregadores e estudantes que amavam as Doutrinas da Graça, e também, ali, preguei em igrejas de sólida persuasão calvinista. Também, firmes evidências da presença extensiva do Calvinismo são vistas nas inúmeras firmas de publicações que criaram um grande fluxo de literatura reformada pós-guerra e também durante os anos 80. A poderosa Eerdmans foi solidamente Reformada em tempos passados, para não mencionar Baker Book House, Kregel e outros. Onde é que todos estes livros foram parar (milhares e milhares deles), inclusive os frequentemente reimpressos conjuntos dos comentários de Calvino e uma série de outras obras clássicas?

Na década de 70 e 80, houve também pequenos editores calvinistas nos Estados Unidos, e naqueles tempos começou o fenômeno das livrarias cristãs calvinistas com descontos, com catálogos volumosos e uma considerável sequência de títulos impressos e reimpressos. A alegação de que o Calvinismo praticamente desapareceu é um equívoco infeliz.

Na verdade, um Calvinismo muito melhor ainda floresce em muitas igrejas, onde almas são ganhas e vidas santificadas, e onde verdade e prática estão submetidas à autoridade das Escrituras. Essas igrejas não têm qualquer simpatia com o louvor mundano diversificado do jornalista Collin Hansen, que pretende edificar igrejas utilizando exatamente os mesmos métodos de entretenimento usados pela maioria dos neopentecostais e de grupos arminianos

Os Novos Calvinistas exaltam constantemente os Puritanos, contudo, não querem adorar, louvar ou viver como os Puritanos o faziam. Uma das conferências tem o nome “Resoluto”, por causa das famosas Resoluções, de Jonathan Edwards (suas 70 resoluções). Mas a cultura difundida nesta conferência seria sem dúvida confrontada com a firme condenação do grande teólogo Edwards.

A conferência “Resoluto” é de criação de um membro da equipe pastoral do Dr. John MacArthur, que reúne milhares de jovens anualmente, e caracteriza a habitual mistura de Calvinismo e louvor de estilo extremamente neopentecostal. Os jovens são incentivados a sentir em seus corpos o mesmo impacto estremecedor da música rítmica que experimentariam num concerto mundano de música pop, inclusive com a mesma iluminação e atmosfera. No meio de tudo isso, ao mesmo tempo, eles refletem sobre a predestinação e eleição. A cultura mundana ali oferecida proporciona uma atmosfera corporal e emocional onde pensamentos cristãos são infundidos. Os sentimentos bíblicos são atrelados ao entretenimento carnal. Fotos da conferência em seu website mostram a atmosfera totalmente mundana de showbusiness criada pelos organizadores.

Em tempos de desobediência os judeus antigos viviam uma espécie de sincretismo, indo ao Templo ou à sinagoga no sábado, e aos templos dos ídolos em dias de semana; mas o novo Calvinismo tem encontrado uma maneira de unir espiritualmente, ao mesmo tempo e na mesma reunião, coisas que são incompatíveis.

C. J. Mahaney é um pregador muito aplaudido neste livro de Collin Hansen. De fé e prática neopentecostal, ele parece ser totalmente aceito pelos outros grandes nomes que caracterizam as novas “Conferências Calvinistas”, tais como John Piper, John MacArthur, Mark Dever, e Al Mohler. Evidentemente, trata-se de alguém extremamente bem-apessoado e amistoso, C. J. Mahaney é o fundador de um grupo de igrejas que mistura o Calvinismo à ideias neopentecostais, e é reputado como alguém que influencia muitos calvinistas a deixarem de lado a doutrina do cessacionismo dos dons de sinais e dons revelacionais.

Foi um pupilo deste pregador, chamado Joshua Harris, que começou a conferência de Jovens “Nova Atitude”. Somos informados de que, quando um rapper secular chamado Curtis Allen foi convertido, o seu novo instinto cristão levou-o a abandonar a sua vida passada e seu estilo musical. Mas o Pastor Joshua Harris evidentemente persuadiu-o a não fazê-lo, para que ele pudesse “cantar para o Senhor”. Os novos calvinistas não hesitam em passar por cima dos instintos da consciência cristã, aconselhando e incentivando as pessoas a tornarem-se amigas do mundo.

Uma das mega-igrejas admiradas no livro é a Igreja Mars Hill em Seattle, fundada e pastoreada por Mark Driscoll, que combina ideias das chamadas igrejas emergentes (de que os cristãos devem utilizar a cultura mundana) com teologia Calvinista [ver nota 1].

Este pregador é também muito admirado por alguns homens reformados no Reino Unido, mas a sua igreja tem sido descrita (por um simpatizante) como a igreja na qual a música é a mais alta de todas, e foi censurado por outros pregadores pela utilização de muita linguagem imprópria e humor totalmente inapropriado (mesmo na televisão). Ele é visto em vídeos pregando, usando camisetas com o escrito “Jesus”, simbolizando o novo compromisso com a cultura, e ao mesmo tempo oferecendo ensino calvinista. Vemos nisso muito da atitude neocalvinista de abraçar a doutrina Puritana mas deixando de lado o estilo de vida e a adoração Puritana.

A maior parte dos bem conhecidos pregadores que promovem e incentivam este “reavivamento” do Calvinismo têm em comum as seguintes posições que contradizem a verdadeira perspectiva calvinista (ou Puritana):

1. Eles não têm qualquer problema com a adoração contemporâneo, de gênero neopentecostal, incluindo nisso os estilos extremados do “heavy metal”.
2. Eles são complacentes no que se refere a separação do mundanismo [ver nota 2].
3. Não se preocupam com a orientação e condução pessoal de Deus na vida do crente nas grandes decisões a serem tomadas na vida (verdadeira soberania), dando assim um golpe certeiro na consagração sincera de vida.
4. Mantêm opiniões contrárias ao quarto mandamento, menosprezando o Dia do Senhor, dando assim outro golpe à vida consagrada.

Quaisquer que sejam os seus pontos fortes e suas realizações (e alguns deles são homens brilhantes nos padrões humanos), ou seja, qual quer que for a sua visão teórica do Calvinismo, a má posição desses pregadores a respeito destas questões cruciais apenas irá encorajar uma desastrosa versão defeituosa do Calvinismo, e que levará as pessoas a serem cada vez mais devotadas ao mundo, e a se inclinarem a um estilo egocêntrico de vida.

Quando verdadeiramente proclamada, a soberania de Deus deve incluir consagração, reverência, obediência sincera à sua vontade, e separação do mundo.

Você não pode ter uma soteriologia Puritana (uma doutrina da salvação Puritana) sem uma santificação Puritana. Você não deve atrair as pessoas a uma pregação Calvinista, ou qualquer outro tipo de pregação, usando iscas mundanas. Esperamos que os jovens neste movimento compreendam as implicações das doutrinas melhor do que seus mestres, e que não venham a transigir a verdade. Mas há ainda uma catástrofe iminente na promoção desta nova forma de Calvinismo.

Por que alguns cristãos britânicos que abraçavam as Doutrinas da Graça dão opiniões entusiasmadas a respeito de um livro como este? No passado, houve vezes em que subitamente muitos jovens se tornaram intelectualmente entusiasmados com a sólida doutrina cristã e, logo a seguir a abandonaram. Pense na tremenda reação que uma única palestra de Francis Schaeffer conseguia levantar em campus universitários na década de 60. Sem dúvida alguns jovens foram verdadeiramente salvos e perseveraram na fé e santificação, mas muitíssimos mais se desviaram deste caminho. Dominados pela superioridade de uma cosmovisão bíblica (como propagada por Fancis Schaeffer), eles momentaneamente desprezaram as idéias ilógicas, débeis deste mundo, mas a impressão dessas palestras em muitas pessoas era natural e não espiritual. O novo e inebriante Calvinismo presente, desfalcado de obediência prática irá certamente revelar-se efêmero, deixando a causa da reforma transigida e dissipada.

Essa forma de Calvinismo já chegou à Grã-Bretanha? Tristemente sim!  Basta olhar os “blogs” de alguns jovens pastores Reformados que se colocam à frente como mentores e conselheiros de outros. Quando você olha os seus “filmes favoritos”, e “música favorita” você os vê sem constrangimento algum nomear as principais bandas, músicas e entretenimento desta cultura depreciável, e é evidente que o mundo ainda está em seus corações. Anos atrás, tais irmãos não teriam sido batizados até que estivessem limpos do mundo; mas agora, você pode ir até mesmo para o seminário e não é questionado sobre essas coisas. Alguém pode hoje assumir um pastorado, com ídolos (não renunciados e não combatidos) na sala do trono de sua vida. Que esperança há para as igrejas que têm pastores cuja lealdade está tão dividida e distorcida?

Além dos pastores, sabemos de alguns desses “novos” jovens Calvinistas que nunca se estabelecerão numa igreja que é dedicada na obra do Senhor, porque as suas considerações doutrinárias estão apenas em suas mentes e não em seus corações. Sabemos de outros cujas vidas não são limpas. E temos conhecido ainda outros que vão a bares e boates. Quanto maior a sua proeza doutrinal, maior a sua hipocrisia.

Estas são palavras duras, mas elas me levam a dizer que, quando o Calvinismo bíblico, evangélico molda a conduta e, especialmente, a adoração, ele é um sistema humilde e bonito de verdades; mas quando está confinado apenas à cabeça, o que faz é inflar o orgulho e a auto dependência.

O “novo” Calvinismo não é um ressurgimento do Calvinismo, mas uma fórmula inovadora que tira da doutrina a sua prática histórica e une-a com o mundo.

Por que é que a liderança de pregadores que servem a este movimento cedeu tão facilmente? Eles não têm sido ameaçados por pressões como as de um regime soviético. Ninguém apontou uma arma para suas cabeças. Esta é uma vergonhosa capitulação, e devemos orar fervorosamente para que aquilo que eles têm incentivado não tome o lugar do verdadeiro Calvinismo e venha a arruinar toda uma geração de jovens cristãos a serem alcançados com as doutrinas da graça.

Um espetáculo final tristemente relatado com entusiasmo no livro é a conferência “Unidos pelo Evangelho”, realizada desde 2006. É uma conferência de perfil mais adulto, e convocada por respeitados Calvinistas, que, não obstante, reúne cessacionistas e não-cessacionistas, expoentes da adoração tradicional e da contemporânea e, enquanto que por um lado mantém uma boa pregação, por outro condiciona todos os que frequentam a relaxarem em relação a estas questões controversas e a aprender a aceitar todos os pontos de vista. Em outras palavras, matam o ministério da advertência, de modo que todo o erro do novo cenário possa avançar despercebido. Estes são dias trágicos para a autêntica fidelidade, piedade e adoração espiritual.

O verdadeiro Calvinismo e mundanismo são opostos! É preciso preparar o coração se vamos buscar as maravilhas e sondar as profundezas da Soberana Graça. Encontramo-lo no desafiador e decisivo chamado de Josué:

“Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; e deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais além do rio e no Egito, e servi ao SENHOR. Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao SENHOR, escolhei hoje a quem sirvais; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do rio, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porém eu e a minha casa serviremos ao SENHOR” (Josué 24.14-15).


NOTAS

1. Sua resolução sobre a questão da soberania divina versus livre arbítrio humano, no entanto, está muito mais próxima da visão Arminiana.

2. Um recente livro intitulado Worldliness: Resisting the Seduction of a Fallen World (Mundanismo: Resistindo à Sedução de um Mundo Caído, por C J Mahaney e outros), prepara de modo deficiente os jovens crentes para a separação do mundo, especialmente na área da música, onde, aparentemente, o Senhor ama todos os tipos de música, e aceitabilidade é reduzida a duas enganosas e subjetivas questões.


* * *


*Peter Masters é o Pastor do Tabernáculo Metropolitano de Londres, igreja Batista Reformada uma vez pastoreada por C. H. Spurgeon.
Fonte original: https://metropolitantabernacle.org/?page=articles&id=13.