Sobre as Manifestações Raciais Públicas Recentes

À luz das recentes demonstrações realizadas pela organização Black Lives Matter – BLM (Vidas Negras Importam), gostaria de fazer esses comentários. Todos os atos e manifestações de desrespeito racial são vergonhosos para os cristãos sinceros. Tais atos são resultantes e fluem, obviamente, da Queda do homem no pecado. Todo ódio, toda postura de superioridade, todo desdém, todo tipo de perseguição de “outros” grupos étnicos e religiões, junto com toda perseguição ideológica (que é o maior algoz e executor nos tempos modernos), e todo preconceito de classe é proibido pelo Sexto Mandamento: “Não mataras”. Como Moisés explica, a ordem de não matar vai além do ato físico de assassinar alguém; vai do ódio ao sequestro, tirar a liberdade da pessoa, matar o respeito próprio e todos os tipos de coisas relacionadas. Tudo isto está na família dos pecados de assassinato.

Embora o sequestro seja condenado na Bíblia, a escravidão em uma forma particular (diferente da escravidão colonial moderna) era tolerada em uma sociedade descaída, no caso de pessoas que adentravam a servidão por inadequação ou dívida, ou por guerra e conquista. Mas a regra das Escrituras era: “seis anos servirá; mas ao sétimo sairá livre” (Êxodo 21.2).  Imagine quantas e quantas vezes esse comando libertou escravos e servos de todos os tipos! Essa foi a regra de Moisés.

Sem dúvida, muitas pessoas bem-intencionadas se envolvem com as demonstrações da BLM; mas essa organização em particular, é algo com que se deva preocupar, pois se trata de algo muito heterogêneo. Foi fundada nos Estados Unidos por jovens pensadores com visões definitivamente ateias, comprometidos com uma moralidade sexual radicalmente alternativa, e com a ideologia marxista e até mesmo anarquista. Tudo isso já é bem conhecido. Pode haver, embora desconheço, grupos BLM regionais onde haja pessoas que não estão intimamente associadas a visões sexuais radicais; mas essa é a base e a inclinação do movimento como um todo.

1. Agora, para o cristão, em primeiro lugar, não podemos ter associações estreitas ou causa comum com pessoas cujos objetivos e pontos de vista são antimorais, antideus, anticristãos. Não podemos fazer isso! Devemos seguir os princípios das Escrituras em todas as questões de associações.

2. Então, em segundo lugar, a violação da lei para os cristãos é sempre em geral proibida pelas Escrituras. Dano à propriedade e incitação ao dano, e tudo o que é contra a lei civil, é contrário à Palavra de Deus. Podemos apontar Romanos 13, 1 Pedro 2.13-17. Esses textos são muito claros e incontestáveis.

3. Em terceiro lugar, o Evangelho sempre vem em primeiro lugar para nós. Nosso principal objetivo e nossa principal causa é o Evangelho do Reino de Cristo.

4. Em quarto lugar, qualquer influência social que tenhamos a capacidade e oportunidade de exercer deve ser exercida de modo legal. Esse sempre foi um princípio do verdadeiro Cristianismo.

5. E em quinto lugar, e talvez isso devesse vir primeiro: a casa de Deus deve ser sempre um exemplo de consideração mútua sincera, e de perfeita harmonia racial. Nós cremos (de acordo com Gênesis) que existe apenas uma raça humana. Nossa tradição Batista Reformada, se posso usar essa expressão, sempre foi muito franca e sem reservas sobre sermos uma única raça humana.

Posso recordá-lo de pessoas cujos nomes você conhece muito bem, como William Carey, que se opôs à escravidão desde sua conversão. Mesmo quando jovem, ele se juntou ao boicote aplicado ao açúcar trazido das Índias Ocidentais (produzido pela mão de obra escrava na Jamaica e outros países) para expressar sua objeção, e em seu ensino foi fortemente contra a escravidão.

Em sua primeira e mais famosa obra, The Inquiry (O Inquérito), ele encorajou fortemente o esforço de pregação do Evangelho aos povos pagãos. E como você sabe, à medida que Carey e seu trabalho missionário prosseguiam na Índia, ele foi perseguido com grande ferocidade pelas autoridades coloniais britânicas, por causa de suas opiniões e por causa de sua influência.

Quando ele escreveu os documentos de fundação da instituição missionária que fundou, (que se tornou o documento marca d’água para todo o movimento missionário em seu tempo), um dos primeiros artigos mostrava sua clara e firme visão, também compartilhada por seus companheiros de trabalho, de que os missionários brancos deveriam deixar o campo missionário o mais logo possível, uma vez que tivessem treinado os pastores e líderes autóctones das igrejas nativas e entregue a continuidade da obra para eles. Essa sempre foi a atitude dos Batistas Reformados ou Particulares.

Devo mencionar, brevemente, o nome de William Knibb, que viveu alguns anos depois de William Carey; ele foi um missionário nas Índias Ocidentais (Caribe). Todos já ouviram falar de William Wilberforce um campeão contra a escravatura, que morreu pouco antes da emancipação dos escravos nas colônias Inglesas, mas poucos já ouviram falar sobre William Knibb.

William Knibb quando jovem foi missionário na Jamaica. Por causa de seu trabalho missionário e suas opiniões contra a escravidão ele foi perseguido pelas autoridades coloniais e pelos da Jamaica. Em um determinado período de seu trabalho ele foi obrigado a retornar à Grã-Bretanha, para se refugiar por um período, pois seus antagonistas estavam tentando assassiná-lo. Neste retorno, ele viajou em circuito pelas igrejas britânicas, lotando salões de reuniões por toda parte, para contar sua história e narrar os fatos atrozes sobre a escravidão na Jamaica e em outras partes do Caribe, bem como sua própria perseguição. Ele fez isso com tanto empenho, e obteve tamanho sucesso em seu esforço, que se tornou o principal canal para transformar a opinião das classes média e trabalhadora britânica a favor da abolição da escravidão. Quando muitos estavam duvidosos e não sabiam se era fato as estórias que ouviam sobre a estrutura escravagista inglesa em suas colônias, e achavam que os relatos que estavam chegando a Inglaterra eram exagerados, foi esse homem, que aos 29 anos de idade, realmente convenceu quase todo mundo. Foi notável seu empenho; e, sendo um bom orador, eloquente e fervoroso, ele teve grande sucesso. Eu escrevi um pequeno livro biográfico a respeito dele, apenas 50 páginas, e metade são imagens maravilhosas.

As pessoas são ignorantes a respeito dessas coisas hoje, e simplesmente não percebem quão fortemente esses missionários resistiram à escravidão colonial.

Os missionários anglicanos na Jamaica, por sua vez, serviram amplamente ao poder colonial Inglês, e cumpriram suas ordens e não mostraram qualquer entusiasmo pela abolição da escravidão. Na verdade, eles apoiaram os colonos em todas as suas atrocidades, pelo menos a maioria deles. Mas os missionários Metodistas e Batistas eram geralmente bastante diferentes, e foi William Knibb, este missionário Batista, quem foi de grande instrumentalidade no impulso final para o ato de abolição da escravidão no Caribe.

Então, podemos mencionar também o pastor Charles H. Spurgeon, que em sua época foi mais um ministro Batista Reformado que falou e escreveu fortemente contra a escravidão. Existem muitos registros das coisas que foram mal ditas sobre Spurgeon nos Estados do sul da América do Norte, logo que descobriram como ele era contrário à escravidão. Spurgeon, por exemplo, não teria comunhão com um proprietário de escravos. Por isso, proprietários de escravos se voltaram contra ele, e as vendas de seus sermões impressos caíram dramaticamente no sul dos Estados Unidos.

Somos totalmente solidários com as pessoas que estão agastadas com as atrocidades que surgem da desarmonia racial e com todo o preconceito e tolices de baixo nível que envolvem essas coisas também. Na igreja de Jesus Cristo, queremos demonstrar em prática como as coisas deveriam ser no relacionamento entre todas as pessoas, por meio da oração, do amor adequado e do afeto mútuo.

Algumas coisas poderiam ser ditas sobre a derrubada de estátuas de personagens históricos. Penso, em primeiro lugar, que a maioria das estátuas que as pessoas estão objetando, nem mesmo deveriam ter sido erguidas; mas, penso, existem maneiras legais e adequadas de lidar com elas, e essa é a abordagem que devemos apoiar como cristãos.

Aliás, não sei por que as pessoas que querem derrubar estátuas não se organizam para derrubar as estátuas de Charles Darwin e Thomas Huxley e pessoas assim. Embora, para seu crédito, Darwin fosse contra a escravidão, ele foi um imperialista e um dos fundadores de um sistema de pensamento que inspirou e dinamizou o racismo e o imperialismo. Huxley também; e, de fato, ainda mais que Darwin, ele promoveu amplamente esses sistemas. No entanto, quando se trata deles, as pessoas que derrubam estátuas dizem: “Ó, deixe-os em paz. Eles eram pessoas de seu tempo. Eles não podiam evitar. Todo mundo pensava assim naquela época”. Eles dizem esse tipo de coisa.

Mas por que eles defendem Darwin, Huxley e seus seguidores? Bem, é claro, porque aqueles homens conceberam e desenvolveram uma “explicação” para a existência do homem sem Deus. Por meio deles, e do que eles escreveram, a sociedade pode se livrar de Deus e escrever sua própria moral. E uma vez que estas pessoas envolvidas nessas manifestações são também antimorais e pró LGBT, homens como Darwin e Huxley são essenciais para eles, para seu sistema de pensamento; são seus heróis, e assim são dispensados da crítica, e suas estatuas são poupadas.

Mas eles não devem ser desculpados, porque até hoje, na mente das pessoas comuns, a teoria da evolução é a base e a justificativa do desdém racial. É a ideia contraditória primária para atacar a verdade bíblica de que fomos criados como uma única raça de seres humanos. É, de fato, o motor do monstro do racismo.


Extraido da revista: The Sword & Trowel 2020, Issue 2


Dr. Peter Masters, é pastor Batista Reformado do Metropolitan Tabernacle de Londres, na Inglaterra.


Tradução: Pr. Ábner Eliel Araújo
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